dimanche 2 octobre 2016

1 - Sociedade e cultura indígena(História do Brasil)

   
   Esse é o primeiro tópico (de quase quarenta) que compõe o conteúdo de História do Brasil. Era um conteúdo desconhecido para mim, que tenho boa retórica quanto a defesa das populações oprimidas, porém, quando se trata de povos indígenas, silencio-me. Ainda não entendia suas diferenças, seu quantitativo, sua forma de organização, sua visão de mundo.
 Como nesse tópico existia a exigência de compreensão da sociedade e cultura indígena( o que já é muita coisa), tentei fazer uma pequena pesquisa qualitativa, através das bibliografias mais clássicas e atuais sobre o tema. Ainda assim, reconheço minha incapacidade de abordar com melhores detalhes o que seria sociedade e o que seria cultura indígena, no sentido de compreender as estruturas e organizações sociais de alguns povos, como família, lideranças, motivações das guerras, nascimento, morte, hierarquias sociais, entre outras, bem como a visão de mundo deles, do sentido da vida, de onde vieram, para onde vão e por que existem. 
Nesse sentido, esta postagem será dividida entre os primeiros contatos e seus imaginários, alguns tipos de indígenas e quantitativos, a utilização deles para a produção e a suas formas de resistência.

Imagem ocidental dos povos indígenas
   Os primeiros contatos dos europeus com os indígenas do Brasil fora recheado de imaginários, certamente preconceituosos, como explicitava nas Cartas de Pero Vaz de Caminha, de Américo Vespúcio ou alguns franceses que tentaram colonizar o Brasil, surpreendendo-os pela forma de vida de vida comunitária  e desapego à acumulação de coisas, tão evidente entre os europeus do século XVI.
   Os principais povos indígenas que os europeus identificaram foram os Tupis, Tupinambás e os Guaranis, mas também os Aimorés e Ouetacas, além dos inimigos dos Tupis(pejorativamente classificado por europeus como "Tapuias"), como os Tarairiú, Janduí, Ariú, Icó, Payayá e Paiacu. No entanto, nem Vespúcio, nem Caminha, chama-os de índios, mas sim de gentios, sendo esse nome utilizado posteriormente por outros exploradores e observadores.
   O imaginário português, mas também europeu, já que diversas missões religiosas, exploratórias ou civilizadoras eram compostas de agentes de várias nacionalidades da Europa, via com exotismo, às vezes negativo, às vezes positivo, alguns comportamentos indígenas, chamando-os de irracionais, quando percebem a poli-conjugalidade entre eles, as guerras sem motivação aparentemente expansionista ou dominadora, a antropofagia(comer os inimigos vencidos de modo ritual) e o canibalismo(se alimentar de seres humanos). Além disso, ao descobrirem que no léxico indígena não ter os fonemas L, R e F, atribuem a máxima de que tais povos não tem Lei, nem Rei, nem Fé, portanto impossíveis de serem colonizados, já que não reconhecem autoridade alguma, não acreditam em ídolos e só fazem o que lhe der vontade, pois não são seres políticos. Da mesma forma que podem dizer sim para alguma coisa, pode dizer não para a mesma coisa, ao sentirem-se incomodados ou desconfortáveis.
   Por esses motivos, Padre Manuel da Nóbrega e Simão de Vasconcelos, interpretaram a mitologia Tupi de Zomé, da criação da agricultura, das normas e proibições acerca da poligamia e da antropofagia, de um ser que veio no Oceano Atlântico, atravessou a Bahia, o Amazonas e foi parar no Peru e no Paraguai, com uma missão civilizadora, tornando-se um instrumento útil para conseguir dividir os indígenas em gentios(pagãos), brasis(carregadores de pau-brasil), negros-da-terra(escravizados) e índios de repartição(moradores de aldeias assalariados para servir aos colonos e à Coroa), sendo defendido por Padre Antônio Vieira  as "guerras justas"(insubmissos), índios de resgate ou de corda( recuperar inimigos indígenas que iriam ser sacrificados em rituais antropófagos para serem escravizados).

Indígenas no Brasil
   Apesar de termos atualmente cerca de 700 mil pessoas registradas como indígenas no Brasil hoje, à época do descobrimentos calculava-se entre cinco milhões e um milhão e meio o quantitativo populacional, sendo diversos os motivos que fizeram a população indígena diminuir a um pouco mais de 0,5% da população brasileira, como um todo.
   À época do descobrimento, segundo estudiosos, foram catalogados cerca de 1.400 povos principais, sendo que os principais são o os Tupis e Tupinambás, que se encontravam da região de São Paulo, litoral nordestino até o encontro entre o Rio Madeira com o Amazonas. Ainda no nordeste encontra-se os Aymorés e os Ouetacas, os Tarairiú, Janduí, Ariú, Icó, Payayá e Paiacú, também denominados de "tapuios" ou tradicionais inimigos dos tupis, do centro da Bahia até o Ceará, além dos Tupiniquim, Kariris, Topins, Potiguara, Anaios e Caetés( Ilhéus, Natal, Sergipe, Bahia e Pernambuco). Mas para o Sul encontra-se os Guaranis que se estendem desde o extremo sul do Brasil, passa por parte de São Paulo e chega no Centro-Oeste em Mato-Grosso, ultrapassando as fronteiras estabelecida entre o Brasil e outros países da América Latina. Enquanto no Norte, encontram-se os Aruáks, Manaos e Karibs e no Sul os Tapes.
  Grande parte desses povos foram exterminados por guerras contra os portugueses, ataques genocidas e doenças como varíola, sarampo, tuberculose e sarampo, como relatou Padre Manuel da Nóbrega e José de Anchieta que verificaram mortes de mais de 30 mil indígenas em no máximo em três meses.

Produtividade indígena
   Devido a tantos malefícios e desgraças do contato dos portugueses com os indígenas, certamente muitos deles acabaram submetidos a força da Coroa portuguesa, de comerciantes franceses, para a extração de milhões de toras de madeira de pau-brasil, através do armazenamento em feitorias ou desembarque direto, sem contar com os Donatários das Capitanias Hereditárias, como a de São Vicente, no sudeste, e Pernambuco, no nordeste, que instalaram mais de trinta engenhos de cana-de-açúcar, escravizando milhares de indígenas, a exemplo dos Tupinambás - praticantes de agricultura - chamados também de negros-da-terra, durante quase todo o século XVI e XVII.

Resistência Indígena
   Nada disso ocorreu sem resistência, sem combate. Os indígenas resistiram muito, com os instrumentos e armas que podiam, que tinham, fazendo às vezes associações entre si, bem como  aliaram-se com portugueses, holandeses ou franceses, para combaterem as diferentes disposições inimigas que existiam entre europeus e indígenas. Isso, de certa forma, desconstruiu a imagem da ingenuidade e irracionalidade indígena para lidar com as dinâmicas políticas e sociais. Nenhum povo submete-se sem resistência, portanto, com os indígenas não foram diferentes.
   No nordeste temos a união Potiguara contra os portugueses, mas temos posteriormente os próprios Potiguaras aliados a Felipe Camarão, do lado português, para a expulsão dos holandeses, demonstrando que as associações aconteciam de acordo com os diversos atores envolvidos em uma zona de conflito, bem como outras formas de organização ou reivindicação, como o famoso discurso de Momboré-Uaçu, no início dos anos 1600, reunidos com os Tupinambás, para denunciar a estratégia dos diferentes tipos de europeus para virem comercializar(traficar), depois constroem fortalezas, casam-se com as indígenas, buscam catequizar, escravizam os inimigos dos indígenas, depois escravizam os próprios aliados indígenas.
  A colonização portuguesa na América não fora de nenhuma forma pacífica ou contou com a pacificidade indígena, muito pelo contrário, os conflitos que os portugueses tiveram que enfrentar, transformaram o Brasil de paraíso, a inferno, pois durante quase todo o século XVII tiveram guerras em quase todas as regiões do Brasil, necessitando aliar-se ou combater os indígenas, ao mesmo tempo que tinha que manter a produtividade de cana-de-açúcar, entre outros produtos, utilizando a mão-de-obra escravizada indígena ou africana. Só os portugueses não seria suficiente para tornar o empreendimento do Brasil lucrativo e, por isso, Mem de Sá, ao construir Salvador, utilizando índios de repartição e aliados Aimorés, guerreou contra índios "Tapuios".
  As principais guerras do Nordeste, durante o século XVII, foram a de Orobó, onde os povos Payayás lutaram contra os Topins, a Guerra Aporá, que foram utilizadas como "guerras justas", para escravizar, também entre os Payayás e os Topins, além da Guerra de São Francisco, entre os proprietários de currais, associados com os Kariris, contra os Anaios. Para finalizar uma grande guerra do nordeste, temos a Guerra de Açu, dos índius Janduí, comandados pelo chefe Canindé, que buscou a negociação de paz com os portugueses. Todos esses conflitos fizeram extinguir alguns povos para sempre, além de serem utilizados como escravos.
   Ao Norte do Brasil, temos a história famosa de Ajuricaba, guerreiro Manao, de língua Aruák, da região do Rio Negro, rebelou-se contra os portugueses por assassinarem seu pai por desentendimentos comerciais. Aliou-se com holandeses da Guiana para para adquirir armas. O desfecho da guerra foi a morte por canhões portugueses de mais de 40 mil Manaos sob comando de Belchior Mendes de Moraes, além da prisão de Ajuricaba, que se afogou a caminho da prisão, jogando-se no Rio Negro. O desfecho da guerra portuguesa era sempre massacrante.
Mais ao sul do Brasil, na região de Guaíra os Jesuítas estabeleceram Reduções( uma forma de missão civilizadora e cristã) com os Povos Guaranis, o que prejudicava a captura de indígenas por bandeirantes, levando a conflitos contra os Jesuítas. Manuel Preto e outros bandeirantes, que tinham companhias com mais de 2.000 índios Tupis ignoravam as recomendações e atacavam, desde 1628, as Missões guaraníticas, seja no Mato Grosso, seja entre os povos Tape, no atual Rio Grande do Sul. Os ataques violentos foram sucedidos por Raposo Tavares, André Fernandes e Fernão Dias Paes Leme, conquistando as missões de Itatim, Taquari, Ijuí e Ibicuí. 
    A reação dos Guaranis levaram a vitória na Batalha de Caasaguaçu e de Mbororé, sendo resolvido tais conflitos quando no Tratado de Madri(1750) os portugueses deram a Colônia de Sacramento em troca de território espanhol de Sete Povos das Missões - São Borja, São Nicolau, São Miguel, São Luís Gonzaga, São Lourenço, São João e Santo Ângelo, o que desencadeou em mais um último conflito liderado pelo Guarani Sepé Tiaraju, da Redução de São Miguel, culminando na morte de mais de 1.500 indígenas e do próprio Sepé Tiaraju na Batalha de Caiboaté

Bibliografia:

  • Cunha, Edgar Teodoro da. “Índio no Brasil: imaginário em movimento”. In: Novaes, Sylvia Caiuby et al. (orgs.). Escrituras da imagem. São Paulo: FAPESP/Edusp, 2004, p.101-120. 
  • Cunha, Manuela Carneiro da. “Imagens de índios do Brasil: o século XVI”. In: Pizarro, Ana (org.). América Latina: palavras, literatura e cultura. São Paulo: Memorial da América Latina; Campinas: Ed. Unicamp, 1993, p.151-172. 
  • Fausto, Carlos. “Fragmentos de história e cultura tupinambá: da etnologia como instrumento crítico de conhecimento etno-histórico”. In: Cunha, Manuela Carneiro da. História dos índios no Brasil. São Paulo: Cia. das Letras/FAPESP/SMC, 1992, p.381-396.
  •  _____. Os índios antes do Brasil. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2000.
  • Hemming, John. “Os índios do Brasil em 1500”. In: Bethell, Leslie (org.). História da América Latina. São Paulo: Edusp; Brasília, DF: Fundação Alexandre Gusmão, 1998, v.I, p.101-127. (América Latina Colonial). 
  • Holanda, Sérgio Buarque de. Visão do paraíso. São Paulo: Cia. Editora Nacional, 1969.
  • Monteiro, John M. “A dança dos números: a população indígena do Brasil desde 1500”. In: Silva, Aracy Lopes da & Grupioni, Luís Donisete Benzi. A temática indígena na escola: novos subsídios para professores de 1º e 2º graus. Brasília: MEC/MARI/ UNESCO, 1995, p.224-226.
  • Nimuendaju, Curt. Mapa Etno-histórico de Curt Nimuendaju. Rio de Janeiro: IBGE, 1981. 
  • Noelli, Francisco S. “As hipóteses sobre o centro de origem e rotas de expansão dos Tupi”. Revista de Antropologia, São Paulo, v.39, n.2, p.7-53, 1996.
  • Raminelli, Ronald. Imagens da colonização: a representação do índio de Caminha a Vieira. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1996.
  • Caminha, Pero Vaz de. “Carta de Pero Vaz de Caminha”. In: Pereira, Paulo Roberto (org.). Os três únicos testemunhos do descobrimento do Brasil. Rio de Janeiro: Lacerda Editores, 1999 [1500].
  • Thevet, André. As singularidades da França Antártica. Belo Horizonte: Itatiaia; São Paulo: Edusp, 1978 [1556].
  • Alencastro, Luiz Felipe. O trato dos viventes. São Paulo: Companhia das Letras, 2000.
  • Bethell, Leslie (org.). História da América Latina. São Paulo: Edusp; Brasília, DF: Fundação Alexandre Gusmão, 1998, v.I. (América Latina Colonial).
  • Domingues, Ângela. Os conceitos de guerra justa e resgate e os ameríndios do Norte do Brasil. In: Silva, Maria Beatriz Nizza da (org.). Brasil: colonização e escravidão. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2000, p.45-56.
  • Fausto, Boris. História do Brasil. São Paulo: Edusp, 1997.
  • A Presença Indígena na Formação do Brasil / João Pacheco de Oliveira e Carlos Augusto da Rocha Freire – Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade; LACED/Museu Nacional, 2006.
  • Hemming, John. Red Gold: the conquest of the brazilian indians. London: Macmillan, 1978.
  • Holanda, Sérgio Buarque de (dir.). História geral da civilização brasileira: a época colonial. São Paulo: Difel, 1963. (Tomo I).
  • Marchant, Alexander. Do escambo à escravidão: as relações econômicas de portugueses e índios na colonização do Brasil. São Paulo: Cia. Editora Nacional; Brasília: INL, 1980. 
  • Monteiro, John Manuel. Negros da terra: índios e bandeirantes nas origens de São Paulo. São Paulo: Companhia das Letras, 1994.
  •  _____. Tupis, tapuias e historiadores: estudos de história indígena e do indigenismo. 2001 Tese apresentada para o concurso de Livre Docência, área de Etnologia, Unicamp, Campinas, 2001.
  •  Ribeiro, Berta. O índio na história do Brasil. São Paulo: Global, 1983.
  •  Ribeiro, Darcy & Moreira Neto, Carlos de Araújo. A fundação do Brasil: testemunhos (1500–1700). Petrópolis, RJ: Vozes, 1992.
  • Thomas, Georg. Política indigenista dos portugueses no Brasil 1500 – 1640. São Paulo: Loyola, 1982.
  • Anchieta, José de. Cartas, informações, fragmentos históricos e sermões do Padre José de Anchieta: (1554-1594). Rio de Janeiro: Ed. Civilização Brasileira, 1933. 
  • Dourado, Mecenas. A conversão do gentio. Rio de Janeiro: Livraria São José, 1958, p.175-210. 
  • Gadelha, Regina Maria A.F. As missões jesuíticas do Itatim: um estudo das estruturas sócio-econômicas coloniais do Paraguai, séculos XVI e XVII. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1980. _____(ed.). Missões Guarani: impacto na sociedade contemporânea. São Paulo: Educ, 1999.
  • Nóbrega, Manoel da. Cartas do Brasil: 1549-1560. Rio de Janeiro: Oficina Industrial Gráfica, 1931, p.229-245. 
  • Quevedo, Júlio. As missões: crise e redefinição. São Paulo: Editora Ática, 1993. 
  • Vieira, Antonio, Pe. Escritos instrumentais sobre os índios. São Paulo: EDUC/Loyola/Giordano, 1992
  • Dantas, Beatriz G. et al. Os povos indígenas no Nordeste brasileiro: um esboço histórico. In: Cunha, Manuela Carneiro da (org.). História dos índios no Brasil. São Paulo: Cia. das Letras/ SMC/FAPESP, 1992, p.431-456.
  •  Maestri, Mário. Os Senhores do Litoral: conquista portuguesa e agonia Tupinambá no litoral brasileiro (século 16). Porto Alegre: Editora da Universidade/UFRGS, 1995. 
  • Monteiro, John M. Os Guarani e a história do Brasil meridional: séculos XVI–XVII. In: Cunha, Manuela Carneiro da (org.). História dos índios no Brasil. São Paulo: Cia. das Letras/SMC/ FAPESP, 1992, p.475-498. 
  • Moonen, Frans & Maia, Luciano Mariz (orgs.). Etnohistória dos índios Potiguara. João Pessoa: SEC/PB, 1992.
  •  Pompa, Cristina. Religião como tradução: missionários, tupi e “tapuia” no Brasil colonial. Bauru, SP: EDUSC, 2003. 
  • Puntoni, Pedro. A guerra dos bárbaros: povos indígenas e a colonização do sertão nordeste do Brasil, 1650-1720. São Paulo: Hucitec/Edusp/FAPESP, 2002. 
  • Souza, Márcio. A expressão amazonense: do colonialismo ao neocolonialismo. São Paulo: Alfa-Omega, 1978. 
  • _____. “A guerra popular de Ajuricaba”. Porantim, Manaus, ano II, n.9, p.8-9, julho 1979.

Aucun commentaire:

Enregistrer un commentaire